
Você já se pegou parado no meio da sala, tablet na mão, perguntando-se se aquela criatura colorida gerada por IA era mais uma ameaça à imaginação do seu filho ou uma ferramenta inesperada para a criatividade? Olha, eu me peguei exatamente assim outro dia. Ainda lembro daquela noite em que você parou de dobrar as roupas, segurou o tablet com uma expressão meio intrigada e soltou: ‘Olha só o que o Matias fez hoje na escola com inteligência artificial’. No vídeo, nosso filho sorria orgulhoso ao lado de uma criatura colorida gerada por algoritmos. Confesso que, no começo, eu também me perguntava se não estaríamos substituindo a criatividade humana por algoritmos. Nesse momento, senti algo que era familiar e, ao mesmo tempo, bem complexo – esse novo hóspede digital entrando sorrateiramente em nosso lar criativo. Como pais, cabe a nós ditar o compasso dessa dança?
O Piano que Não Sabe o Cheiro de Infância

Fiquei pensando naquele pianista virtual que tanto encantou as crianças na semana passada. Sim, ele reproduzia Mozart com precisão milimétrica, mas havia algo essencial faltando – aquela nota desafinada que Maria acrescenta quando se emociona, o modo como seu irmão bate no pedal como se estivesse pisando em poça d’água. A IA compõe? Sem dúvida. Mas não sabe como a música para quando você entra na sala com a sobremesa favorita.
Assistindo você ensinar a eles que as ferramentas digitais são como pincéis – úteis, mas vazios sem a tinta da nossa imaginação – percebi o verdadeiro equilíbrio. Como naquela tarde em que usaram um aplicativo para criar melodias, mas insistiram em gravar gargalhadas e o barulho da chuva no vidro como percussão. Máquinas seguem padrões. Nós? Criamos memórias vivas.
E essa mesma lógica se aplica quando olhamos para a criatividade visual das crianças.
Desenhando no Mesmo Céu Digital

Foi durante a feira de ciências que me surpreendi. Você organizou aquela atividade onde as crianças desenhavam monstros no papel e depois os viam ‘ganharem vida’ via IA. Notei um detalhe precioso: enquanto o algoritmo gerava versões perfeitas, os pequenos riam justamente das imperfeições – o olho torto do Zé, a orelha peluda da versão digital. ‘Gosto mais do meu original’, sussurrou nossa filha, abraçando a folha amassada. Lembro de como minha própria mãe sempre dizia que os melhores momentos não são planejados, como quando aprendi que, na minha cultura de origem, as imperfeições são valorizadas tanto quanto a perfeição. Sabe, essa lição se encaixa perfeitamente aqui.
Naquele instante, você pisou suavemente no freio tecnológico. Sugeriu guardarem os desenhos à mão porque ‘eles têm o cheiro da nossa tarde juntos’. Essa presença calma transforma telas em ferramentas, não em donas do show. Assim como quando sugeriu que a IA trouxesse referências de arte indígena para complementar – mas nunca substituir – as histórias que vovó conta.
Os Segredos que os Algoritmos Nunca Capturam

Quando as crianças dormiam, conversamos sobre aquela ansiedade sutil – a mesma que faz você checar discretamente o tempo de tela toda noite. Como naquela sexta-feira em que o pequeno perguntou ‘a Alexa sabe mais que você, mamãe?’. Sua resposta calma ficou ecoando: ‘Ela sabe dados. Eu te conheço’.
Ali entendi os limites invisíveis. A IA pode sugerir jogos educativos brilhantes, mas só você sabe que hoje ele precisa de um desafio para levantar o astral. Pode recomendar listas de leitura, mas conhece o livro que acalma suas pesadelos específicos. Por isso mesmo definir regras juntos, como ‘consultar a máquina é permitido – decidir juntos é obrigatório’.
A Partitura que Escrevemos em Dueto

Ontem à noite, achamos você na varanda com um sorriso tão peculiar. ‘Olha o que achei’, disse mostrando um poema gerado por IA sobre parques. Estava bonito, técnico… e completamente sem sal. Então abriu sua agenda antiga onde escrevera: ‘Meu filho correu atrás de pombas hoje. Seus risos tinham asas maiores que as delas’. E tudo ficou claro.
Na sinfonia familiar, somos os únicos maestros de coração batendo no peito.
Rimos juntos do contraste. É essa consciência que torna tudo seguro. Saber que máquinas nos dão novos instrumentos, com sons e possibilidades incríveis, mas nós, pais, somos os maestros que regem essa orquestra familiar. As cores verdadeiras? Ah, essas saem da caixa de lápis que te vi escolher com tanto cuidado, levando em conta o azul preferido dele. É claro que nossos netos usarão tecnologias que mal imaginamos, mas o essencial – a melodia do amor, da conexão e da criatividade humana – essa sempre será a partitura principal.
Source: Did a ‘KPop Demon Hunters’ Songwriter Really Use ChatGPT to Write ‘Soda Pop’?, Gizmodo, 2025/09/17.
