
Lembra daquela madrugada depois que a pequena enfim adormeceu com febre? Eu tinha preparado um chá de gengibre para ela, misturando tradição coreana e o mel puro que trouxemos de uma fazenda canadense, e estávamos na penumbra da cozinha quando li uma notícia que me fez apertar sua mão: drones que monitoram incêndios identificam hectares queimados, mas não veem a pessoa ajoelhada na cinza, pensando nos netos que não terão herança.
E ali, com o barulho da noite ecoando no copo d’água, entendi: reduzir a dor humana a ‘problemas técnicos’ é como tentar apagar o mar com uma colher.
Não são bugs a corrigir – são histórias que respiram, como a nossa.
Você já sentiu isso, amor? Quando olho pra você guardando as coisas da escola, exausta, e eu penso dentro da cabeça: ‘Se só existisse um botão pra consertar isso…’.
Mas o seu cansaço não se resolve com software.
Hoje quero falar da beleza que construímos juntos, com cada gesto do dia, quando desligamos a ilusão dos atalhos.
O Engano da ‘Tecla Fácil’ na Nossa Realidade
Essa reflexão me fez lembrar de outro momento que aconteceu conosco. Sabe o que mais me dói nisso? Como nós mesmos caímos nessa armadilha no dia a dia.
Muitas vezes, quando a criança acorda com tosse, você passa a noite testando aplicativos de termômetros inteligentes, e eu… eu ligo para o senhor da mercearia, que há décadas cura febres com chá de camomila.
Porque nenhum algoritmo sabe que o segredo está na voz calma dele enquanto espera o sono chegar.
Assim é quando reduzimos crises a problemas de engenharia: vemos a tosse, mas não as horas que você passou acordada, alisando testas com mãos trêmulas de cansaço.
Na escola, você me conta como diretores pedem ‘fórmulas rápidas’ para reduzir a exaustão das professoras – como se cortar horas letivas apagasse a culpa de deixar uma criança chorando antes do sol nascer.
Lembra daquele ‘maravilhoso’ organizador familiar que comprei? Prometia sincronizar agendas em segundos.
O resultado? Passamos horas tentando perceber por que raios o calendário marcava ‘reunião de pais’ de madrugada.
Você já passou por algo assim?
Assim são essas tecnologias para a exaustão: brilhantes em gráficos, mas cegas para a fome que não cabe em datasets.
A verdadeira tragédia? É como o nosso cansaço invisível: ninguém vê quando você troca reuniões por segurar a cabeça da criança enquanto ela vomita, ou quando eu finjo não notar seu silêncio ao preparar o lanche.
Quantas vezes já desejamos um ‘Ctrl+Z’ para apagar dias inteiros?
Mas até o transporte atrasado não resolve quando o coração está partido – e isso, meu amor, é humano demais para código.
O Que a Tecnologia Não Fotografa na Nossa Alma
E quando penso nisso mais a fundo, percebo que não é coincidência que os drones falhem em ver quem chora na cinza. Como falhamos em ver o que acontece consigo depois do ‘agora já passou’.
Seu trabalho é medido por métricas: quantas fichas corrigiu, quantos planos elaborou.
Mas quem conta as vezes que você abraçou uma criança que perdeu o pai, e chorou em silêncio no caminho de casa?
Os sistemas amam números, mas seu colo não cabe em dashboards.
Lembro-me de quando uma mãe ficou doente – nenhum app previu que ela só queria companhia para caminhar no parque, não um relatório médico.
Essa ‘eficiência’ tecnológica é ilusória.
Você volta carregando a mochila da criança e a culpa por não chegar a tempo do banho.
Eu chego com um doce para alegrar o dia e a mentira de que ‘fui pai o dia todo’.
Mas quando você revisa testes até de madrugada, as máquinas não veem a história: o medo de que sua filha repita seu esgotamento, o perigo de desistir do que ama.
Pior: naturalizam isso como ‘normal’, como se a exaustão materna fosse um erro corrigível.
Mas seu sorriso hoje, ao ver a criança dar os primeiros passos… isso não é um problema.
És a prova de que conseguimos encontrar um caminho entre o caos e a esperança, passo a passo.
E nenhum software mede o peso de um suspiro aliviado às 2h da manhã.
Tecer Pontes com Mãos Calosas, Não com Algoritmos
Essa reflexão me trouxe uma memória recente: Naquela noite da tosse, o senhor da mercearia trouxe mais que chá: trouxe memória.
Contou histórias de como cuidava dos filhos quando jovem, e de repente percebemos: as soluções nascem quando histórias se abraçam.
Assim como seu projeto na escola – quando convidou outras mães para co-criar atividades, não para ‘otimizar custos’.
Vi você chorar quando uma delas disse: ‘Quero que meu filho saiba que é amado, não um problema a resolver’.
Por isso, hoje, no nosso ritmo de pais, escolhemos o lento: quando deixo você descansar e levo a criança à escola, não estou ‘ajudando’ – estou aprendendo que a exaustão materna não se cura com planilhas, mas com tempo compartilhado.
Como aquela vez que cancelamos obrigações para ver o pôr-do-sol num lugar tranquilo.
Ninguém mediu produtividade, mas você segurou minha mão e sussurrou: ‘Sinto-me viva outra vez’.
É isso que os técnicos esquecem: antes de perguntar ‘como resolver?’, devemos sussurrar ‘para quem isto é vida?’
Para você, que tem olheiras fundas mas ainda acende velas na mesa.
Para nós, que escolhemos o suor do abraço em vez de promessas digitais.
Nenhum drone prevê quando o vento atrapalha o transporte, mas também não apaga a luz nos seus olhos ao ver a criança desenhar uma árvore.
Deixe-me dizer isto enquanto ouvimos a vida, amor: os problemas que importam – como seu valor, como nosso amor cansado – não cabem em ‘atualizações’.
Cabem na paciência de colar um brinquedo quebrado com as mãos sujas, no silêncio que diz ‘estou aqui’, mesmo quando o mundo berra por velocidade.
Hoje, escolho acreditar que a verdadeira inteligência está na coragem de ser lento.
Que tal, hoje, reservar cinco minutos para olhar nos olhos do seu parceiro, segurar suas mãos e perguntar: ‘O que te fez respirar um pouquinho hoje?’? É um pequeno gesto que desconecta da correria e reconecta com o essencial.
na nossa cozinha, à luz de velas, tecemos pontes onde até os drones mais avançados não chegam: no lugar onde o amor é a única atualização que nunca falha.
Source: The False Promise of “AI for Social Good”, Project Syndicate, 2025-09-15